Café - Elucubrações 2 (Como eu definiria a prática do Hugo)


Pergunta inicial: Como, hoje, eu definiria a prática artística do Hugo? 

Eu diria que o Hugo faz um teatro visceral, um teatro físico, um teatro com intensidade. É claro que esses conceitos precisam de mais explanação para serem mais claros. Portanto, o que que eu quero dizer com “visceral”? Quando o Hugo propõe, em algum ensaio, uma atividade performática, a não ser que seja um exercício técnico como executar uma câmera lenta ou fazer algum salto ou giro, ele não quer que o ator apenas faça os gestos e sons que pedem a proposta. É preciso que o ator sinta o que ele está fazendo. Mas o que é sentir o que se está fazendo? Para o Hugo, isso não é nada abstrato, não é uma questão de um sentimento interior, “psicológico” como ele costuma dizer. Para ele, sentir é sentir no corpo. Se a performance for, por exemplo, “faça tal movimentação, com raiva”, ele deve sentir a raiva nos seus músculos, isto é, o que é que acontece muscularmente quando se está com raiva? Os músculos ficam enrijecidos, o corpo fica tenso, o sangue sobe a cabeça, os olhos ficam perpetrantemente fixos, ou então eles tremem, o corpo treme de tanta tensão, a garganta se fecha, os dentes se cerram, o abdomem trava, as pernas travam, o corpo inteiro fica em estado de tensão. Se o ator for sentindo o seu próprio corpo tensionando, tensionando e tensionando ao máximo que puder ele vai gerando em si mesmo, nas suas próprias visceras, os sintomas da raiva, e esses sintomas quando eles tomam conta do ator a sua performance possui “verdade”. (o ator tem então a sensação de raiva) Verdade não porque de outra forma ele estaria mentindo, mas porque seja lá o que ele estiver sentindo, ele está sentindo no seu próprio corpo, fisicamente, e não psicológicamente, não imaginativamente. Mas porque isso se reflete em “verdade”? Acho que é porque tudo que acontece no corpo fica imediatamente visível para o público que pode se relacionar com aquilo, enquanto que se o ator está apenas imaginando, apenas psicologizando, aquilo não necessariamente fica aparente para o público. No exemplo da raiva, um ator pode estar imaginando a raiva, ou psicologizando algo que ele acha raivoso, mas externamente manter o corpo relaxado. Para o público, não se vê a raiva, vê-se relaxamento. Enquanto que se ele estiver sentindo a tensão da raiva no seu corpo, fisicamente, isso imediatamente fica aparente, e imediatamente isso começa a influenciar a própria disposição emocional. Portanto, a memória emocional, para o Hugo, não está numa memória mental, mas sim numa memória física. Não é necessário lembrar de algo que me dá raiva para sentir raiva cenicamente, pelo contrário, é muito mais eficiente acessar a raiva através dos sintomas físicos que a raiva causa no próprio corpo, pois independente do motivo, a raiva sempre causa tensão física. A raiva, antes dela ser psicológica, ela é visceral, ela acontece no corpo do ator. Utilizei a raiva como exemplo, pois ela é um sentimento bastante aparente e fácil de reconhecer, mas a relação entre o sentimento e o corpo físico acontece para todos os outros sentimentos humanos. A raiva causa tensão, mas a felicidade ou o amor pode causar relaxamento, a paixão causa excitação, etc... Assim cada ator precisa explorar o seu próprio corpo para descobrir como que cada sentimento reflete no seu corpo. Isso tudo é independente da interpretação, por isso, muitas vezes o Hugo diz, “não interpreta, sente!”
Flávio Café

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