Café - Elucubrações 8 (O método do Hugo como uma contribuição à "ecologia dos saberes" do teatro)
Não
há conhecimento que não seja conhecido por alguém para alguns
objetivos. Todos os conhecimentos sustentam práticas e constituem
sujeitos. Todos os conhecimentos são testemunhais porque o que
conhecem sobre o real (a sua dimensão activa) se reflete sempre no
que dão a conhecer sobre o sujeito do conhecimento (a sua dimensão
subjetiva). (SANTOS, 2009, P.49)
O
teatro de Hugo Rodas representa uma parte integrante não só das
produções culturais de Brasília, mas também da construção de
uma das identidades do teatro brasiliense. Isso se deve não
necessariamente apenas pela contundência da sua produção, pois
esta, como a de todo artista, possui seus altos e baixos, nem
tampouco apenas pela efetividade da sua metodologia de treinamento ou
de criação, pois esta também possui artifícios mais efetivos e
outros menos efetivos. Contudo, me parece que uma das causas mais
pertinentes para que as suas peças e as suas técnicas de atuação
tenham recebido um espaço de destaque no teatro brasiliense seja o
período no qual elas ocorreram.
Quando
o Hugo primeiro pisou no eixo monumental a cidade tinha menos de 20
anos de idade e de certa forma se podia contar nos dedos o número de
brasilienses efetivamente nascidos na cidade. Muito se conta de como
a cidade era quase deserta, ao menos no plano piloto, devido às suas
dimensões alargadas e baixa densidade populacional e de como se
tinha poucas opções de tudo, principalmente de lazer, e também de
teatro. Em outras palavras, quando o Hugo chegou, ele encontrou um
canteiro de terra fértil, mas desocupado, sem plantações, como um
jardim ainda em formação e, por este motivo, suas práticas
pioneiras para a comunidade teatral local logo se instalaram e
criaram raizes nessa terra vermelha e fértil. Não somente criaram
raizes as suas práticas, mas fizeram parte de um processo de criação
da identidade cultural da cidade que durou muitas décadas e que
possibilitou que ele, como professor de teatro, formasse várias das
gerações de fazedores de teatro vindouros. Sua técnica e estética
permearam inevitavelmente estes outros criadores assim como cada um
deles deixaram sua marca no desenvolvimento da estética e das
técnicas do Hugo, posto que ele não chegou em Brasília com uma
metodologia pronta, mas foi desenvolvendo suas práticas a medida que
os anos, os alunos, os atores e os grupos de teatro passavam por ele.
Todo
esse processo de mais de 40 anos resultou em um espectro de técnicas,
estéticas e éticas do teatro que, apesar de não estarem
sistematizadas e compiladas, poderiam ser consideradas como um dos
conhecimentos ou um dos saberes teatrais específicos de Brasília,
intimamente ligado à formação cultural da cidade e que se
diferencia dos saberes de outras cidades com outras identidades.
Nesse sentido, poder-se-ia cogitar que um esforço para sistematizar
a metodologia do Hugo serviria também como uma contribuição para
uma ecologia de
saberes nas artes
cênicas uma vez que é um ponto de vista único sobre esta arte que
reflete questões relativas aos sujeitos desta identidade cultural e
é uma testemunha daquilo que se sabe sobre o teatro sob uma
perspectiva brasiliense. E isso se dá pelo fato de que este não é
um saber importado de nenhuma metrópole colonizadora, pois mesmo que
ele se utilize também de referencias provenientes dessas
metrópoles, por exemplo, autores europeus como Stanislavski e
Grotowski, o seu desenvolvimento e criação se deu independentemente
da influência dos acontecimentos europeus e estar embriagada de
elementos da cultura do Brasil.
Referências
Bibliográficas
SANTOS,
Boaventura de Sousa. Epistemologias
do Sul. Coimbra:
Edições Almedina, 2009.
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